LIVROS

Livros | O Amor nos Tempos de Cólera, Gabriel…

Já ando para escrever sobre Gabriel García Márquez há algum tempo. Existem poucos autores com uma forma de escrever com que me identifique tanto. García Márquez encaixa as palavras umas nas outras numa harmonia que delicadamente me embala, enquanto descreve a narrativa com uma naturalidade que me transporta. Ofereceram-me O Amor nos Tempos de Cólera há uns anos – a minha mãe disse-me, assim que desembrulhei o presente, que eu adoraria a escrita de García Márquez, mas assumo que não fazia ideia do que vinha aí. O Amor nos Tempos de Cólera surpreendeu-me tanto que se tornou num dos meus livros preferidos – e introduziu-me a um dos autores de que mais gosto, pelo que guardará para sempre um lugar especial no meu coração.

Depois de ler O Amor nos Tempos de Cólera, comprei o aclamado Cem Anos de Solidão, com grandes expectativas. Contrariamente à maioria, confesso que gostei muito mais da história de amor da primeira obra que li do autor. Em conversa com a minha amiga Jéssica Rocha, que conheceram brevemente quando partilhei o meu fim-de-semana pelo Porto, chegámos à conclusão de que, apesar de ambas termos lido os mesmos dois livros, construímos opiniões muito diferentes acerca de cada um. Por isso, pensei em convidá-la a escrever a sua opinião. Numa coisa concordamos: a escrita de Gabriel García Márquez não nos deixa indiferente. Comecemos pel’O Amor nos Tempos de Cólera.

O Amor nos Tempos de Cólera não me prendeu desde início. Conquistou-me devagar, aos poucos, frase a frase, parágrafo a parágrafo, como uma boa história de amor. De cada vez que abria o livro para continuar a leitura na página onde fiquei, parecia que as personagens tinham estado à minha espera, para continuarem a sua história. Quanto a essa história, a esse enredo que parece dar mil voltas, deixo-vos a descrição da Jéssica. Identifiquei-me com as personagens pela humanidade que García Márquez lhes confere – pelos seus impulsos, pelos seus erros, pelos seus pensamentos, pelas suas personalidades assumidamente invariáveis. Não me revoltou, nem inquietou. Descansou-me, pelo contrário, pela estranha sensação de, por vezes, as histórias nem sempre decorrerem como esperamos, como desejamos, tomando as suas próprias rédeas, deixando-nos à margem, como público na bancada. Esta história de amor reconhece os desencontros, os egoísmos, os preconceitos, que existem na realidade, para além da literatura, que prevalecem independentemente do passar dos anos ou do mudar de protagonistas. No final, esse amor cede ao doce sabor da conquista, naquele momento que compensa a espera de dias, meses, anos. Haverá romance que não se defina por esse momento? Ah, o quanto gostei de acompanhar esta história!

Quero muito reler O Amor nos Tempos de Cólera. Para recuperar do meu desgosto em relação a Cem Anos de Solidão, estou a pensar ainda em enveredar por uma destas duas obras do autor: Crónica de uma Morte Anunciada ou Memória das Minhas Putas Tristes. Que me dizem? Por agora, deixo-vos com as palavras da minha Jéssica. Para quem, desse lado, ainda não leu O Amor nos Tempos de Cólera, e para não vos estragar as (não muitas) surpresas da obra, gostava de deixar um spoiler alert, uma vez que o texto de opinião da Jéssica contém algumas referências sobre o desenvolver do enredo. Espero que gostem desta dinâmica. Não se esqueçam de deixar o vosso comentário, em baixo. Em breve, regressaremos para falar sobre Cem Anos de Solidão. Temos encontro marcado?

Pela Jéssica

Foi a segunda obra que li deste autor e deixou-me um tom agridoce na língua do princípio ao fim. A escrita de Márquez é exímia. É das mais ricas, mais complexas e mais envolventes que se encontram nos autores da época dele, e não admira que tenha dado início a uma corrente literária – o realismo mágico – que colocou não só a Colômbia como toda a América do Sul nas bocas do mundo. A escrita dele faz-nos mergulhar na história como o melhor dos filmes ou o mais nítido dos sonhos. Sentimo-nos no exacto momento em que a acção decorre, rodeados pelos personagens, a ver pelos seus olhos e a sentir pelos seus corações. Não podia, honestamente, ser melhor. Mas quando não nos identificamos com o coração dos personagens, a sensação de frustração é maior que aquela que sentimos com prosas menos ricas que a dele.


E foi precisamente isso que senti: uma frustração profunda com Florentino Ariza, Fermina Daza e Juvenal Urbino, o triângulo amoroso catastrófico no centro da trama. Para muitos, o verdadeiro romance é o de Florentino e Fermina, um amor trágico que o tempo, a sociedade e os bons e maus costumes submergem e que obriga os dois protagonistas a manterem-se afastados quase a vida inteira. Contudo, não consegui sentir essa empatia por eles, essa pena por terem de passar tantos anos afastados. Não só porque vejo os sentimentos de Florentino por Fermina muito mais como uma obsessão tóxica do que como uma paixão indomável, como porque tanto um como outro são profundamente narcisistas, tão absorvidos em si mesmos e tão pouco preocupados com aqueles que afectam com as suas acções e decisões que não conseguimos chegar a gostar realmente deles. É certo que quanto mais complexas forem as personagens, mais credíveis e humanas, e por isso também mais empáticas, serão; mas, no caso de ambos, não me permitiu criar uma verdadeira ligação com nenhum, nem chegar a compreender sequer as decisões e caminhos que tomaram na vida.

E, por outro lado, embora Juvenal Urbino seja, à partida, melhor homem que Florentino, também tem os seus defeitos e também não consegui passar por cima do facto de que o casamento dele com Fermina mais não é que um arranjo social em que o amor, se é que há algum amor, só se constrói por força do hábito e das rotinas que criam sob um mesmo tecto. Ou seja, nem mesmo no caso deles consegui acreditar e torcer verdadeiramente pela relação, embora a tenha preferido mil vezes que à de Florentino e Fermina.

Ainda assim, o final traz o tal gosto agridoce, porque após a morte de Juvenal, quando Florentino e Fermina finalmente têm a sua oportunidade, já velhos, gastos e desiludidos com a vida, o amor deles torna-se tão belo e comovente que damos por nós finalmente a torcer por eles, mesmo sabendo que lhes restam poucos mais anos de vida. Ao menos, vão poder aproveitar esses juntos, numa viagem que tem tanto de idílica como de deprimente. Exactamente como a vida, a deles e a nossa.

inesnobre
Um blog sobre o que mais me apaixona, como melhor me sei expressar - pela moda e pela escrita.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *