PESSOAL

Sobre 2023

Tenho tendência para gostar das coisas com alguma cadência – aos pares, de três em três, de cinco em cinco. Curiosamente, reparei que estas reflexões sobre o ano que passou têm acontecido de dois em dois anos, bem como sobre os aniversários que comemoro, que têm acontecido de três em três. Percebi que não há uma razão específica para esta regularidade; depende unicamente do meu estado de espírito no final de cada ano ou no virar de cada aniversário. Já lhe posso chamar uma tradição, ainda assim?

2023 teria sido um ano maravilhoso, se não tivesse levado duas pessoas muito próximas de mim. Há sete anos que não perdia alguém, nessa que foi a primeira e até então a última vez que lidei com o luto; por isso, sofrer duas perdas no espaço de escassos meses tomou muita da minha energia e ainda mais do meu ânimo. No outro dia falava com as minhas amigas sobre como as coisas são mais efémeras do que pensamos, sobre como o tempo passa de forma igual para todas as pessoas, ainda que só dêmos por isso quando elas começam a partir, por ainda estarmos no início desta coisa a que chamam idade adulta, ou, arrisco-me a dizer, idade em que percebemos que o mundo nunca girou, de facto, à nossa volta. Crescer tem destas coisas, não é? Por um lado, leva-nos esta sensação de protagonismo, ainda que inocente, que durante anos nos faz acreditar que somos o centro de muito mais do que a nossa própria história. Por outro, livra-nos dessa pressão, quando nos mostra que, realmente, somos pessoas normais, iguais umas às outras, com caminhos que se cruzam sem se sobreporem.

Durante anos esperei pela meia noite do meu aniversário ou pela meia noite da passagem de ano, como se os minutos no relógio fossem magicamente mudar a minha personalidade, a minha maneira de falar ou de estar; como se o 00:00 significasse, de forma literal, o minuto zero de todo um novo rebranding da minha pessoa. Escusado será dizer que, na manhã seguinte, tudo regressaria ao normal. Pela primeira vez em muito tempo, não esperei pela hora certa no relógio, ou pelo início de um novo mês, para me reconhecer na minha melhor versão. Este ano dei por mim a não precisar de me esforçar para ser quem eu quero ser; dei por mim a simplesmente ser, sem grande esforço, por si só. E é certo que me assusta, porque não acredito na ideia de sermos seres finitos sem mais espaço para progredir, e receio até este sossego de finalmente sentir que sou como sempre quis ser; mas, no meio desta inquietude toda, há uma sensação de conquista, de compromisso cumprido comigo mesma, porque afinal sempre é possível sermos quem sempre soubemos que conseguíamos ser. Confuso, talvez?

Portanto, se 2023 arruinou as próprias chances de vir a ser um dos meus anos preferidos? Absolutamente. Não deixa de, ainda assim, ter sido um ano transformador, daqueles em que muito de bom acontece, escondido nos tais dias normais que, na sua humildade de datas vulgares do calendário, carregam boas notícias e importantes conquistas. Foi um ano em que ganhei finalmente coragem para a vulnerabilidade, da qual sempre fui tão fã quando vista do lado de fora, sem me aperceber de que consegue ser igualmente inspiradora quando vem do lado de dentro. E, talvez por essa vulnerabilidade, chego ao final do ano com a sensação de que, mesmo que haja ainda muito para onde ir, consigo finalmente apreciar onde estou.

inesnobre
Um blog sobre o que mais me apaixona, como melhor me sei expressar - pela moda e pela escrita.

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